Partindo do princípio de que 'a vantagem do intérprete mora na liberdade', Anna Ratto revela os bastidores de 'Vison Negro': a construção de uma sonoridade vibrante, a celebração da intuição na parceria com Fernanda Takai e a missão de surpreender o público com uma nova e ousada leitura da obra de Arnaldo Antunes.
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Foto: Emily Colona (@nostc0re) para Music On The Road (@musicontheroad__) |
A cantora Anna Ratto retorna aos palcos com a turnê de seu sétimo e mais recente álbum, Vison Negro, um trabalho que mergulha, com ousadia e afeto, no repertório de Arnaldo Antunes. A estreia do show aconteceu na última quarta-feira (25), no palco do Manouche, no Rio de Janeiro, e revelou uma sonoridade vibrante que transita entre o pop, o rock e a música brasileira contemporânea, combinando faixas inéditas a releituras marcantes.
Nesta entrevista, Anna Ratto fala sobre a liberdade do intérprete, a parceria com Fernanda Takai e a construção de uma atmosfera que, assim como a obra de Arnaldo, sabe a hora de questionar e de acalentar.
Music On The Road — Em seu sétimo álbum, você revisita a obra de Arnaldo Antunes sob uma nova perspectiva. "Vison Negro" não apenas reafirma essa conexão, mas também propõe uma nova leitura estética e emocional. Como você equilibrou a reverência ao autor com a liberdade criativa necessária para imprimir sua identidade nas releituras e nas faixas inéditas?
Anna Ratto — Eu acho que a grande vantagem do intérprete mora justamente nessa liberdade. De construir algo novo. Descolar do que já está feito. Pensar caminhos pra dar nova vida à uma canção que já exista. Ou criar a “embalagem” de uma inédita! Fazer uma canção funcionar num outro andamento, ritmo, tom, divisão é desafiador, mas delicioso. Claro, respeitando letra e melodia, sempre. O foco tá na novidade. De surpreender quem já ouviu de outro jeito. Ou vai ouvir pela primeira vez…
A estreia da turnê no Rio de Janeiro já chega com um encontro especial: a participação de Fernanda Takai, unindo duas vozes potentes da música brasileira. A parceria enriquece o diálogo pop que o álbum propõe, fruto de uma admiração mútua e de uma conexão artística intuitiva.
Music On The Road — Como essa parceria com a Fernanda Takai foi concebida e que tipo de diálogo artístico você acredita que ela estabelece com o conceito do álbum?
Anna Ratto — Conheci a Takai num show coletivo, no final de 2023, em São Paulo. Sempre adorei aquele timbre, as escolhas, o jeito dela, o Pato Fu, o trabalho solo. Fiquei com aquela lembrança boa do encontro recente. Quando recebi essa música e entrei em estúdio em 2024, me veio ela à cabeça, imediatamente. Não sei muito explicar. Isso sempre me acontece... De surgir uma ideia, de lembrar de alguém. Sou muito intuitiva e costumo respeitar. Ela logo topou, muito carinhosamente. Eu adorei o resultado! Vozes timbraram. Foi maravilhosa e generosa com tudo! Ela traz um lance pop que o disco também tem. Depois da música pronta, nem imagino outra pessoa no lugar… adorei!
A sonoridade do álbum é um espetáculo à parte. Produzido em uma sintonia fina entre Anna, Liminha e Kassin, o disco é descrito como “direto, forte e emocional”. No palco, essa energia é potencializada pela banda afiada, composta por Elisio Freitas, Antonio Dal Bó, Jorge Ailton e Estevan Barbosa.
Music On The Road — A sonoridade do álbum transita com fluidez entre o pop, o rock e a MPB. Como foi o processo de construção dessa paisagem sonora em estúdio com Liminha e Kassin? Houve alguma faixa que exigiu uma abordagem mais experimental?
Anna Ratto — Eu acho que Liminha, Kassin e eu formamos um trio bastante sintonizado. A parceria do Liminha vinha desde o último disco e o Kassin tava na estrada, junto! Os dois já “me sabiam” bem, sabe?! Do som que eu gosto de fazer. Então tudo fluiu sem esforço. As ideias vinham, íamos executando e construindo. Eles, claro, pinçando músicos que cabiam bem nas faixas, de acordo com as ideias e energia de cada música. E eu os escolhi também por saber que eles fariam um disco pop/rock/mpb bem equilibrado. Dois super músicos! Bom gosto. Experiência. Sacam tudo de tudo! (risos) Confiança plena. Não me lembro de questionar nada porque tudo “vestia bem”! ;)
Em um mundo de incertezas, canções como “Não Temo” e “Melhor Não Enfeitar” ressoam como uma forma de resistência poética. Anna Ratto revela que, embora a escolha do repertório não tenha sido deliberadamente política, o contexto atual inevitavelmente influencia sua arte.
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Foto: Elisa Bezarra |
Music On The Road — De que forma o contexto social e político atual influenciou a curadoria e a criação desse repertório?
Anna Ratto — Eu não pensei nisso assim tão racionalmente. Mas é claro que o “contexto” já está entranhado na gente. A política também… O momento que vivemos, com sua dinâmica e nuances. Então naturalmente essas canções me tocaram em algum lugar nesse sentido, sim. Eu pesco canções cuja letra e melodia me pegam. Coisas que quero dizer e cantar. Arnaldo é um eterno “morde e assopra”. Eu adoro! Ele bota o dedo na ferida e também faz carinho na alma da gente. O disco tem tudo isso. Isso é a vida. A gente precisa questionar, precisa despertar. Mas também precisa abastecer, alimentar… Arnaldo tem muito pra oferecer.
Ao levar “Vison Negro” para a estrada, Anna Ratto não transporta apenas canções, mas uma atmosfera completa. O espetáculo é uma celebração que mistura a energia solar do pop com a profundidade da poesia, convidando o público para uma experiência que é, ao mesmo tempo, leve e contundente.
Music On The Road — Ao levar o show para os palcos, o que você espera despertar nas pessoas ao vivo? Existe uma narrativa ou atmosfera que você busca construir em cena, além da performance musical?
Anna Ratto — O show é uma mistura das coisas que gravei do Arnaldo (incluindo o disco anterior), novidades, alguns “hits” e outras surpresas dele. A atmosfera é bem essa do “morde e assopra” que falamos. Mas tem leveza, é mais pra solar, enérgico. Tem amor em muitas possibilidades. Tem deboche, zombaria, diversão e alegria. Cada música com seu recado e intenção. É assim que a gente vai costurando o roteiro. (Já estreamos. E pude ver “carinhas” felizes! <3)
Music On The Road — Anna, quero agradecer imensamente pelo seu tempo e pela sinceridade nesta conversa. Foi um privilégio mergulhar no seu universo e sentir de perto a paixão que conduz sua carreira artística. Um grande abraço e até a próxima!
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