O sambista conclui seu projeto de estĂșdio com um repertĂłrio tecnicamente impecĂĄvel, mas que levanta o debate sobre a inovação versus a consolidação de uma fĂłrmula de sucesso no samba contemporĂąneo.
NĂŁo hĂĄ como negar a excelĂȘncia tĂ©cnica que embala as sete faixas. A produção Ă© impecĂĄvel, os arranjos sĂŁo sofisticados e a voz de Nogueira, cada vez mais senhora de si, navega com a autoridade de quem conhece profundamente o terreno que pisa. O dueto com Sandra de SĂĄ em “Coisas do Amor (Me Chama)” Ă© um acerto comercial e artĂstico inegĂĄvel, uma fusĂŁo calculada de samba e soul que evoca o melhor dos bailes suburbanos com um verniz de modernidade. Faixas como “NinguĂ©m Segura O Nosso Amor” e “Tela Quente” cumprem com maestria a função de levantar poeira, celebrando um amor expansivo e carnal atravĂ©s de um samba sincopado e contagiante.
Ă exatamente nessa execução primorosa que reside o cerne do debate. O ĂĄlbum Ă© um manual de boas prĂĄticas do samba contemporĂąneo. A temĂĄtica do amor pelo subĂșrbio, a exaltação da malandragem carioca, a fĂ© como pilar de resiliĂȘncia (“JĂĄ Deu Tudo Certo”) e as odes Ă cidade-postal (“Como Eu Seria Sem VocĂȘ”) sĂŁo elementos recorrentes e de eficĂĄcia comprovada na discografia de Nogueira e de seus pares. A narrativa do "sagrado que se profana" — citando a anĂĄlise de Luiz AntĂŽnio Simas que acompanha o lançamento — soa menos como uma tese a ser desvendada e mais como a descrição de um fenĂŽmeno que o prĂłprio gĂȘnero musical representa desde suas origens.
O projeto, portanto, parece menos interessado em tensionar as fronteiras do samba e mais em reafirmar seu nĂșcleo de poder simbĂłlico. As composiçÔes, mesmo as de novos talentos como Gabi D´Paula e o jĂĄ consagrado Thiago da Serrinha, operam dentro de um campo semĂąntico e melĂłdico familiar. A genialidade do verso "morar no subĂșrbio do teu coração" em “Quem Dera” Ă© um brilhantismo que ilumina uma estrutura jĂĄ conhecida, em vez de propor uma nova arquitetura.
"SAGRADO, Vol. 2" se posiciona, em Ășltima anĂĄlise, como um produto de seu tempo e de seu criador: um artista no auge de sua popularidade, ciente do que seu pĂșblico espera e mestre em entregar exatamente isso com qualidade superlativa. Ă um ĂĄlbum que celebra, conforta e garante a festa. Contudo, deixa em aberto a provocação sobre qual seria o prĂłximo passo para um artista de seu calibre. Seria a exploração de territĂłrios sonoros menos seguros? Ou o aprofundamento em fissuras temĂĄticas ainda nĂŁo totalmente exploradas pelo samba de massa?
Diogo Nogueira nĂŁo joga para experimentar; joga para vencer em um campo que jĂĄ domina com maestria. "SAGRADO, Vol. 2" Ă© o som da consagração, nĂŁo o da revolução. E, talvez, no cenĂĄrio atual, a competĂȘncia irretocĂĄvel seja, por si sĂł, um ato sagrado.

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