O sambista conclui seu projeto de estúdio com um repertório tecnicamente impecável, mas que levanta o debate sobre a inovação versus a consolidação de uma fórmula de sucesso no samba contemporâneo.

CréditoBruna Sussekind

Diogo Nogueira entrega ao público "SAGRADO, Vol. 2", capítulo final de seu mais recente projeto de estúdio, e com ele, consolida uma persona artística que domina com precisão cirúrgica os códigos do samba de apelo popular e radiofônico. Lançado nesta quarta-feira (5), o álbum se propõe, segundo seu material de divulgação, a ser uma meditação sobre as diversas formas do amor sob o prisma da dualidade entre o sagrado e o profano. Contudo, a questão que se impõe a uma audiência crítica é se tal dicotomia, já intrínseca à própria gênese do samba, é aqui explorada como um campo para a reinvenção ou se serve como uma chancela conceitual para um cancioneiro de apelo seguro e testado.

Não há como negar a excelência técnica que embala as sete faixas. A produção é impecável, os arranjos são sofisticados e a voz de Nogueira, cada vez mais senhora de si, navega com a autoridade de quem conhece profundamente o terreno que pisa. O dueto com Sandra de Sá em “Coisas do Amor (Me Chama)” é um acerto comercial e artístico inegável, uma fusão calculada de samba e soul que evoca o melhor dos bailes suburbanos com um verniz de modernidade. Faixas como “Ninguém Segura O Nosso Amor” e “Tela Quente” cumprem com maestria a função de levantar poeira, celebrando um amor expansivo e carnal através de um samba sincopado e contagiante.

É exatamente nessa execução primorosa que reside o cerne do debate. O álbum é um manual de boas práticas do samba contemporâneo. A temática do amor pelo subúrbio, a exaltação da malandragem carioca, a fé como pilar de resiliência (“Já Deu Tudo Certo”) e as odes à cidade-postal (“Como Eu Seria Sem Você”) são elementos recorrentes e de eficácia comprovada na discografia de Nogueira e de seus pares. A narrativa do "sagrado que se profana" — citando a análise de Luiz Antônio Simas que acompanha o lançamento — soa menos como uma tese a ser desvendada e mais como a descrição de um fenômeno que o próprio gênero musical representa desde suas origens.

O projeto, portanto, parece menos interessado em tensionar as fronteiras do samba e mais em reafirmar seu núcleo de poder simbólico. As composições, mesmo as de novos talentos como Gabi D´Paula e o já consagrado Thiago da Serrinha, operam dentro de um campo semântico e melódico familiar. A genialidade do verso "morar no subúrbio do teu coração" em “Quem Dera” é um brilhantismo que ilumina uma estrutura já conhecida, em vez de propor uma nova arquitetura.

"SAGRADO, Vol. 2" se posiciona, em última análise, como um produto de seu tempo e de seu criador: um artista no auge de sua popularidade, ciente do que seu público espera e mestre em entregar exatamente isso com qualidade superlativa. É um álbum que celebra, conforta e garante a festa. Contudo, deixa em aberto a provocação sobre qual seria o próximo passo para um artista de seu calibre. Seria a exploração de territórios sonoros menos seguros? Ou o aprofundamento em fissuras temáticas ainda não totalmente exploradas pelo samba de massa?

Diogo Nogueira não joga para experimentar; joga para vencer em um campo que já domina com maestria. "SAGRADO, Vol. 2" é o som da consagração, não o da revolução. E, talvez, no cenário atual, a competência irretocável seja, por si só, um ato sagrado.