Em um cenário musical frequentemente dominado pelo superficial, a banda paulistana Homeninvisivel emerge como uma força de contraponto. Seu som não busca o conforto; ele provoca, questiona e dilacera. Com o lançamento do novo single, "Navalhas", a banda inaugura uma fase de maturidade sonora e temática, falando sobre a necessidade de se afastar para poder se reencontrar. Unindo o peso do post-hardcore à densidade do shoegaze e às cicatrizes do emo, a Homeninvisivel faz da sua música um rito de passagem — confira a entrevista exclusiva ao Music On The Road e Off The Record.
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Crédito: Bruno Valente |
Music On The Road — Pessoal, é um prazer imenso conversar com vocês. "Navalhas" inaugura uma nova fase para a banda. Que rupturas e reconexões pessoais e sonoras vocês viveram até chegar nesse momento? Como esse processo se manifesta no som e na letra da faixa?
Homeninvisivel (Hari) — As letras desse EP de um modo geral não falam de temas genéricos. Acho que esse é o primeiro ponto a se observar, e Navalhas foi o ponto de partida pra isso tudo. A atual formação da banda conta com a maioria dos integrantes com mais de 30 anos, então, querendo ou não, reflete um pouco em como a banda tá soando e sobre o que está querendo dizer. A ideia é falar sobre problemas reais, situações que uma pessoa comum pode viver ou já ter vivido, reflexões que são verdadeiras.Navalhas entra nesse quesito. Todo mundo já viveu algum ponto crítico onde teve que deixar algo para trás para poder dar um passo grande. Abrir mão de algumas coisas pra conseguir algo importante. Perceber que muitas conexões e relações pessoais não fazem mais sentido e se necessita fazer uma renovação. É um processo natural da vida, só se mantém junto de nós aquilo que é realmente verdadeiro. O falso se quebra com o tempo. E pra entender isso não é de uma hora pra outra. É necessário se recolher e reprogramar a rota. Tudo isso já tá dentro de nós, basta só olhar pra dentro. Navalhas fala basicamente sobre o poder das palavras sobre nós. Em tempo onde as pessoas falam muitas coisas sem pensar, são valentões nas redes sociais, espalham informações falsas, precisamos repensar isso. Precisamos colocar em prática a linguagem não-violenta. Palavras podem ser fatais e construtivas, então, eu prefiro fazer bom uso disso.
O "quarto escuro" mencionado na letra de "Navalhas" torna-se um símbolo poderoso de refúgio e autoconhecimento. Em um mundo que exige conexão e presença constantes, a banda encontra força no isolamento, transformando o silêncio em uma ferramenta de cura e enfrentamento.
Music On The Road — A ideia de “afastar-se para se reencontrar” ecoa forte na canção. Em tempos hiperconectados, como foi encontrar potência no silêncio, no quarto escuro, no recolhimento?
Homeninvisivel (Hari) — Todos nós precisamos fazer isso em algum momento da nossa vida. Por isso encontramos tantas pessoas ao nosso redor que vivem como robôs, inclusive sem algum propósito. O propósito da vida é o famoso “sonho médio “? Pode ter certeza que não! Então é necessário se desligar, pelo menos das coisas que não acrescentam. Claro que, ninguém pode se desligar de suas responsabilidades e afazeres sociais simplesmente por mero impulso, mas precisa refletir sobre “o que necessita ser desligado da minha vida? O que não acrescenta mais? Quem ou o quê faz eu perder meu tempo?” E a partir disso reprogramar a rota como falei antes.
Esses momentos sozinhos são extremamente importantes. Ali você acaba percebendo que gostava de assistir de ler livros e por conta de diversos fatores acabou deixando isso de lado, por exemplo, ou então acaba fazendo uma autoanálise sobre como você tem agido com as pessoas ao seu redor e decide tomar uma nova posição quanto a isso… enfim, é algo totalmente forte e engrandecedor momentos como esses.
A banda carrega uma ética DIY ("faça você mesmo") como espinha dorsal, cavando o próprio caminho desde o início. A gravação do novo material com Dan e Fe Uehara, do Bullet Bane, marca um passo importante: a expansão de sua identidade sonora sem perder a essência visceral que os define.
Music On The Road — Vocês definem que a Homeninvisivel não nasceu para entreter, mas para provocar. O que exatamente vocês esperam provocar no ouvinte? Qual a responsabilidade — ou até mesmo o risco — de propor essa experiência em um cenário musical cada vez mais filtrado por algoritmos?
Homeninvisivel (Hari): Falando de uma maneira pessoal, eu vejo o meu trabalho tocando com diversas bandas e projetos ao longo desses 15 anos com um propósito provocativo mesmo. O sentido de “provocar” colocado aqui é de acender alguma coisa dentro das pessoas; uma reflexão com as letras, influenciar com algum riff, movimentar o cenário que estou inserido de alguma forma, enfim, de alguma forma ser um ponto de exemplo positivo. Eu acredito que estou longe de ser algum tipo de exemplo positivo mas tento dar o meu máximo pra isso. Acredito que os artistas e bandas deveriam pensar o mesmo, tenho certeza que o cenário musical seria totalmente diferente.
Music On The Road — A gravação com os irmãos Uehara (Bullet Bane) marca um encontro entre dois universos da cena. Como foi esse intercâmbio? De que forma a identidade da Homeninvisivel se manteve — ou se expandiu — nesse processo?
Homeninvisivel (Darkk) — Gravar no Estúdio Toth com o Dan e o Fer foi uma experiência transformadora pra gente. A homeninvisivel até hoje era uma banda feita praticamente em um quarto. Tudo até aqui foi produzido de forma independente, na raça mesmo. E justamente por isso, essa ida à um estúdio consagrado como o Toth foi um passo simbólico e necessário: a gente queria sair da zona de conforto e trabalhar com pessoas que tivessem cancha pra ajudar a gente a crescer artisticamente.
A escolha pelo Dan e o Fer foi muito consciente. Além de serem produtores extremamente respeitados dentro da cena alternativa brasileira, eles também fazem parte de uma banda que nos influenciou em vários momentos, o Bullet Bane. E foi justamente essa conexão que tornou o processo ainda mais rico: eles entenderam a nossa essência e, ao invés de tentar moldar o som, ajudaram a expandir aquilo que já existia na gente.
Estávamos atravessando uma transição: deixando pra trás uma estética mais noise e shoegaze, e mergulhando com mais convicção no post-hardcore. Trabalhar com eles foi como acionar um novo estágio de maturidade da banda. Eles trouxeram técnica, visão e sensibilidade, sem apagar o que somos… pelo contrário, ajudaram a acentuar. E acredito que isso se reflete com força em "Navalhas".
Homeninvisivel (Hari) — Particularmente falando, sou muito fã dos dois e do bullet bane. Quando eu morava em Belém/PA, ajudei na produção junto com outros amigos em alguns shows deles pela cidade… então, foi uma troca muito fácil e leve o processo todo em estúdio com eles. E sabíamos que com o que eles oferecem no estúdio toth, nos ajudariam a materializar o som que estava em nossa mente (a minha principalmente).
Music On The Road — Há uma densidade poética e sonora muito particular no som de vocês, transitando entre post-hardcore, emo e shoegaze. Como cada membro da banda contribui para essa fusão de estilos? Existe um direcionamento consciente ou vocês seguem a urgência emocional de cada música?
Homeninvisivel (Darkk) — Cada integrante da homeninvisivel traz uma bagagem muito distinta, e eu acho que é justamente essa mistura que dá força e personalidade ao nosso som. A gente vem de lugares diferentes do Brasil, com vivências e referências diversas e isso enriquece muito o processo. Desde o início, quando comecei o projeto, eu estava imerso em um universo mais noise, pós-punk e shoegaze. Isso aparece com força no nosso primeiro EP, Formas Negativas (2018), que teve uma boa recepção dentro da cena indie e alternativa de São Paulo. Com o tempo, como é natural em qualquer banda com alguma estrada, fomos passando por transformações. A vida muda, a gente muda, e a música muda junto. A entrada do Hari, já no pós-pandemia, trouxe um novo pulso; mais direto, mais energético, com influências de pop-punk e hardcore melódico. Aí com a chegada do Tucca e do Lucão, no começo deste ano, tudo se encaixou. Eles trouxeram a força necessária, que ajudou a consolidar esse som mais visceral que está nas faixas do novo EP.
A gente não força uma direção estética, o som nasce de uma urgência emocional. Mas existe, sim, uma consciência: de quem somos hoje, do que queremos dizer, e de como queremos soar. O que antes era mais etéreo e introspectivo, agora também é mais físico, mais intenso, mais direto. Mas a densidade continua. A poesia ainda dói. E a mistura entre post-hardcore, shoegaze e emo segue sendo o solo onde a gente pisa, mesmo que cada passo leve a gente pra um lugar novo.
Homeninvisivel (Hari) — Hoje em dia, eu acho que já possuo um jeito meu de compor, criar músicas, letras, trilhas, sonoridades, etc. por exemplo, a minha banda favorita é o blink-182, porém, a minha adolescência inteira e início dos meus 20 anos de idade foi moldada pelo som sujo e obscuro do punk hardcore e vertentes. Esse era o meio que eu tocava com as minhas bandas e vivia até as últimas consequências. Provavelmente devo ter um estilo blink com powerviolence de tocar (risos). Então eu sinto que tudo que eu for fazer, independente do estilo, irá ter esse toque mais punk, hardcore, de alguma forma. costumo comentar com os meninos que as vezes a gente pode soar como um “punk querendo tocar shoegaze” e acho que isso é algo muito foda de todo modo. A banda tinha um pé mais no indie, algo mais alternativo , e hoje ela saiu bastante desse solo. Um exemplo prático é a forma de como tocamos as músicas do primeiro ep, ao vivo. Soa bem diferente de como foi gravado.
Music On The Road — Vivemos em uma época em que falar sobre dor, ansiedade e crises existenciais se tornou quase um grito coletivo. Como vocês enxergam o papel da música — especialmente a que vocês fazem — nesse cenário? Ela é um espelho, um grito ou um alívio?
Homeninvisivel (Darkk) — Quando eu escrevo uma música, é como se eu estivesse tentando colocar pra fora algo que não cabe mais em mim. Então, na minha visão, a música que a gente faz é esse desabafo. Um desabafo que começa individual, mas que vira coletivo quando alguém se reconhece naquilo. E é aí que acontece a mágica. Quando o público canta um verso ou um refrão num show, eu sinto que a gente tá se conectando em um lugar muito profundo, muito humano. E essa conexão, pra mim, é o que justifica tudo. A gente vive em tempos em que todo mundo está sufocado de alguma forma. Ansiedade, dor, crise de identidade, cansaço. E a nossa música não tenta maquiar isso, pelo contrário. A gente quer expor, provocar, abrir esse corte pra que ele possa cicatrizar de verdade. As letras do novo EP dialogam entre si nesse sentido: todas partem de um olhar pra dentro. Falam sobre se recolher, se isolar, buscar respostas nas próprias rachaduras. "Navalhas", por exemplo, fala disso de forma muito direta. Do impacto das palavras, do quarto escuro como espaço de cura. A gente vive em São Paulo, de um cotidiano duro, cinza, onde todo mundo tá lutando por espaço.. no mapa, no mundo, e dentro de si. Nossa música é um reflexo disso. Às vezes é espelho, às vezes é grito, às vezes é alívio. Mas ela nunca vem vazia. A gente não faz música pra distrair. A gente faz pra transformar.
Homeninvisivel (Hari) — As letras desse novo ep se dialogam muito entre si. E é interessante perceber que quando o Dark e eu as escrevemos, não tivemos uma conversa do tipo “vamos escrever letras sobre o tema x, y e z”. Foi algo natural e quando paramos para analisar, vimos que elas se alinhavam. As letras têm um cunho pessoal, querendo ou não, pode até não ser sobre um momento específico da vida mas sim sobre questões que de alguma forma são vividas algumas vezes e isso leva a reflexão nos versos. E a gente procura trazer isso pro mais próximo possível pra pessoa que for ouvir, pois muito provavelmente ela já passou ou sentiu algo relacionado àquilo que foi escrito. Somos pessoas comuns, temos vidas comuns, então muito provavelmente as pessoas se identificarão muito com as letras que logo menos vem aí
Music On The Road — Com o EP previsto para julho, o que podemos esperar? E de que forma os palcos, conhecidos por suas performances viscerais, irão potencializar essa nova fase?
Homeninvisivel (Darkk) — Esse EP é, sem dúvida, o trabalho mais sólido da banda até aqui. Existe uma consciência maior nas escolhas que fizemos. É uma fase mais intensa, em que a energia bruta se encontra com um senso de direção mais claro. Existe um fio condutor entre as faixas, uma espécie de enfrentamento interno. Nos palcos, tudo isso se potencializa. Nossos shows sempre foram carregados de emoção e entrega, mas agora têm um peso novo. São canções feitas para rasgar ao vivo, para transformar ruído em catarse. O que mais queremos é encontrar um público que se reconheça nesse caminho.
Music On The Road — Homeninvisivel, muito obrigado pelo tempo e pela honestidade brutal na conversa. Foi um mergulho profundo no universo de vocês e na urgência que move a arte de vocês. Um grande abraço!
Instagram: @homeninvisivel
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