A cidade de Santos, litoral paulista, já deixou seu nome cravado na história da música alternativa brasileira — de onde saíram ícones como Garage Fuzz e Safari Hamburguers. Agora, uma nova força emerge das entranhas do underground local: Seaport, banda que acaba de lançar o EP Mind Tricks, um trabalho que destila angústia contemporânea com precisão cortante e entrega um manifesto sonoro de densidade artística rara.

Seaport | Foto: Divulgação

Gravado no estúdio Warzone, tradicional reduto da cena independente da região, o EP é uma obra que se propõe a romper barreiras sonoras e emocionais. Produzido, mixado e masterizado por Willians "Jurema" Cruz, o projeto reúne quatro faixas que condensam uma jornada musical instável, desafiadora e absolutamente urgente. A formação da Seaport reúne músicos com vasta experiência na cena — Fernando Bertuola (voz), Juliano Amaral (baixo), Carlos Cruz e Rafael Serafini (guitarras), e Henrique Souza (bateria) — todos egressos de grupos como Blackjaw, Old Rust, Cavve, Adelaide, Dharma Foundation e Hazy Spell.

Com influências diretas de nomes como Fugazi, Quicksand, Idles e At The Drive-In, o grupo se autodefine como adepto do "hardcore torto" — um subgênero sem compromissos com fórmulas ou estruturas tradicionais, que flerta com o caos, mas carrega em sua essência uma lógica emocional contundente. Mind Tricks não oferece refrões fáceis nem zonas de conforto: é uma queda livre sonora que confronta o ouvinte com dissonância, colapsos e fragmentações.

As faixas DDDance (com videoclipe já disponível), Impostor, Burnout e Questions operam como capítulos de um mesmo transe: a tentativa de compreender — ou ao menos sobreviver — aos impactos psíquicos de um mundo regido pela pressão constante por performance, pelo esfacelamento da identidade e pelo colapso emocional generalizado. Cada uma das músicas é, ao mesmo tempo, um retrato individual e um espelho coletivo do desgaste mental de uma geração.

“Essa sonoridade mais livre, sem amarras, é consequência direta da diversidade de influências e vivências de cada integrante. Fugazi, Idles e At The Drive-In sempre foram referências, mas cada um de nós carrega uma bagagem única. O resultado é essa ‘liberada sonora’ que se molda de forma sincera, sem planejamento estético premeditado”, explica Juliano Amaral.

Com produção esmerada e entrega emocional evidente, Mind Tricks é um projeto que não busca simplesmente pertencer a um nicho. Pelo contrário: ele implode os próprios limites das etiquetas sonoras, criando uma linguagem híbrida, intensa e desconfortável. E é justamente nesse desconforto que reside sua relevância. A proposta da banda é clara: transformar ruído em afeto, colapso em arte, estranhamento em identificação.

“Acreditamos que a música, como qualquer peça artística, é um eterno diálogo entre o artista e o observador. E é a partir dessa perspectiva que construímos nossas faixas — de forma visceral, transparente, de coração para coração. Se quem escuta sentir algo minimamente verdadeiro, o processo já valeu”, afirma Juliano.

Mind Tricks se posiciona como uma das obras mais representativas do que poderíamos chamar de uma nova safra do hardcore brasileiro — experimental, emocionalmente honesto, e politicamente sensível ao estado mental do nosso tempo. Em vez de buscar soluções, a Seaport escancara as perguntas certas. E esse, talvez, seja seu maior mérito.

Disponível nas principais plataformas de streaming, o EP é um mergulho profundo nos labirintos da mente em tempos de colapso — e um lembrete poderoso de que a arte ainda é um dos poucos lugares onde o caos encontra ressonância e significado.

Prepare os ouvidos. E os nervos. Porque Mind Tricks não é só um disco — é um sintoma. E um sinal de que algo urgente está sendo dito, do subsolo para o mundo.