Em plena véspera do Dia da Consciência Negra, o Circo Voador pulsou como inúmeras vezes, e não por acaso. O Black Pantera escolheu a lona mais simbólica do Rio de Janeiro para eternizar seu primeiro álbum ao vivo, e a sensação era clara desde a fila da porta: não seria apenas outro show, mas um registro de identidade, fúria e celebração.
| Créditos - Will Filho (@willfilhofotos) | Music On The Road (@musicontheroad__) |
A Punho de Mahin, responsável pela abertura, já acendeu o pavio da noite com um set que misturava contundência e acolhimento. O público respondeu sem hesitar, ocupando a pista cedo, de peito aberto e punhos erguidos. Era um prenúncio do que viria.
Quando o trio mineiro finalmente subiu ao palco, às 22h passadas, o Circo já vibrava como um organismo vivo e era evidente que a banda sabia o peso do momento. Ao contrário de muitos registros ao vivo que parecem apenas formalidades técnicas, ali se percebia algo raro: o palco e a plateia dividindo o papel de coautores de uma obra.
A intensidade veio sem pré-aviso. As primeiras notas ecoaram como um chamado ancestral e, em segundos, as rodas se abriram, celulares se ergueram e as vozes coletivas engoliram o sistema de som. O público carioca, especialista em transformar concerto em carnaval, assumiu rapidamente o comando emocional da gravação. Não havia direção, não havia marcação. Havia entrega.
O Black Pantera, conhecido por não aliviar nenhuma camada de sua mensagem, parecia ainda mais afiado do que em suas últimas passagens pela cidade. Cada riff de Charles Gama carregava raiva justa; cada linha de baixo de Chaene recompunha o chão; cada batida de Pancho redesenhava o teto da casa. E os gritos que atravessavam a multidão, “Fogo nos racistas!”, “Sem anistia!”, “Padrão é o c**!”*, funcionavam como um microfone coletivo, uma percussão humana acompanhando a música.
A certa altura, era difícil separar onde terminava o show e começava o ritual político, cultural e afetivo. A banda não apenas tocava: convocava. E a resposta vinha em blocos, ondas, coros amplificados pelo eco do Circo, que parecia maior que o normal, como se também reivindicasse seu papel histórico.
Momentos de pura comunhão surgiram espontaneamente: rodas dedicadas só para mulheres, um fã em cadeira de rodas suspenso pela multidão enquanto sorria como quem sobrevoa o próprio destino, público abrindo caminho para um wall of death que fez a gravação parecer registro de guerra, uma guerra justa, necessária, sonora.
Musicalmente, o setlist resgatou toda a trajetória do trio, sem recortes ou suavizações para a câmera. Canções novas e antigas surgiram com a força de manifestos, reafirmando que Black Pantera não faz música para decorar ambientes, mas para desobedecer. Se alguém ali ainda tinha dúvidas de que o Brasil carece de uma banda que una peso musical, consciência política e presença de palco monumental, a noite tratou de eliminar qualquer hesitação.
A parceria com a Punho de Mahin rendeu um dos ápices do show, com vozes somadas, bandeiras erguidas e o público cantando como se estivesse gravando o álbum junto, e, de certa forma, estava.
No final, quando o trio deixou o palco após um encerramento devastador, a sensação geral era que dificilmente câmeras ou microfones vão dar conta do que foi vivido. Talvez não captem a vibração do chão tremendo, os abraços entre desconhecidos, os gritos que saíam com lágrimas, os sorrisos exaustos. Mas vão registrar algo essencial: uma banda preta, mineira, independente, afirmando sua história dentro de um dos palcos mais simbólicos do país.
E isso, por si só, já é monumental.
Se a ideia era gravar um álbum ao vivo que refletisse exatamente quem é o Black Pantera, frontal, necessário, coletivo, revolucionário, a escolha do Circo Voador no dia 19/11/2025 foi não apenas correta: foi definitiva.
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