Há festivais que cumprem sua função. Outros, que evoluem com o tempo. E há o Festival Sensacional — que, na 12ª edição, realizada nos dias 27 e 28 de junho no Parque Ecológico da Pampulha, em Belo Horizonte, reafirmou sua posição como um dos eventos mais relevantes e consistentes do calendário musical nacional. Com estrutura sólida, curadoria afiada e uma entrega artística que equilibra memória, inovação e contemporaneidade, o Sensacional 2025 não apenas emocionou. Ele consolidou, com vigor, um novo patamar para si próprio e para os festivais brasileiros pós-pandemia.

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Curadoria: a síntese do Brasil que canta e transforma

Um dos grandes trunfos do Sensacional está em sua habilidade de montar uma programação que não se rende ao lugar-comum nem à fórmula fácil. Ao unir lendas da música nacional — como Caetano Veloso, Zeca Pagodinho e Evinha — a expoentes da nova geração — como Iza, Duquesa, Augusta Barna e Melly —, o festival oferece ao público mais que shows: proporciona encontros entre tempos, estéticas e vivências.

Na sexta-feira, Caetano Veloso emocionou em uma apresentação marcada pela delicadeza e pela surpresa: chamou ao palco, pela primeira vez, o conterrâneo Russo Passapusso, do BaianaSystem, para interpretar juntos “Um baiana”. Um gesto que sintetiza o espírito do evento — a reverência ao passado, sem perder de vista a energia do agora.

Evinha, aos 73 anos, foi recebida com entusiasmo raro em festivais com predominância jovem. O coro da plateia entoando faixas de 1971 não se deu por acaso: muitos ali conheceram seu trabalho por meio de samples recentes, como os usados pelo rapper BK. A cantora carioca radicada na França saiu do palco sob aplausos e gritos de “eu te amo”. Um retorno triunfal ao coração do Brasil.

Zeca Pagodinho celebrou seus 40 anos de carreira em uma apresentação solar e irreverente. Com a descontração que lhe é característica — entre goles de cerveja e vinho —, transformou o gramado da Pampulha em um grande pagode coletivo. Na véspera, já havia feito uma aparição surpresa no show-homenagem a Djavan, “Jah-Van”, ao lado de Céu, Assucena, Chico Chico e Eduardo Bid, em outro dos momentos mais celebrados do festival.

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As novas vozes que movem a cena

Se os ícones encantaram, as apostas revelaram fôlego e presença de palco. Duquesa, rapper baiana em franca ascensão, protagonizou um show impactante, com versos afiados e carisma potente. O mineiro FBC, presente na plateia, simbolizou o respeito e a torcida da cena local. Nas redes sociais, o veredito foi unânime: Duquesa já é, e merece palcos maiores.

A cantora Melly, também da Bahia, brilhou com desenvoltura e presença de palco que rivaliza com nomes mais consolidados. Sua performance no sábado demonstrou que o futuro da música brasileira está bem representado por vozes femininas, potentes e diversas.

Augusta Barna, de apenas 21 anos, conquistou corações ao afirmar: “Tô de rosa, mas sou roqueira. Sou uma Hello Kitty”. Seu show no palco Cemig — cercada por músicos em figurinos monocromáticos — apresentou ao público uma artista sensível, criativa e pronta para voos maiores.

Iza, por sua vez, entregou uma performance digna de superstar global. Vestida em brilhos e acompanhada de um ventilador que fazia seus cabelos cacheados dançarem no palco, a cantora arrebatou a multidão com hits como “Dona de Mim”. Técnica, carisma e impacto visual aliados a um discurso de empoderamento que continua necessário e urgente.

L7nnon, um dos mais populares nomes da cena urbana atual, também foi destaque. Com seu boné escondendo os cabelos longos do personagem Ryan, da novela Dona de Mim, o artista entregou uma performance envolvente, com direito a homenagem ao mineiro WS da Igrejinha em “Pelos Acessos”.

Estrutura e experiência: conforto, acessibilidade e fluidez

O Parque Ecológico da Pampulha, mais uma vez, se mostrou um espaço à altura do festival. Ainda que o trajeto entre a portaria e os palcos exija cerca de 15 minutos de caminhada, a distribuição das áreas foi funcional, com pouca ou nenhuma fila para alimentação ou banheiros — um feito raro em eventos dessa escala.

Com público estimado em 8 mil pessoas na sexta e 15 mil no sábado, o Sensacional soube oferecer conforto e experiência de qualidade. Um ponto de atenção: a iluminação nos arredores do palco Cemig foi insuficiente, dificultando a circulação durante os intervalos. Uma falha pontual em um evento que, no geral, foi impecável.

O único ruído, literalmente, ficou por conta do som que se misturava entre os palcos Cemig e Natura em alguns momentos — algo que pode ser repensado nas próximas edições.

Encerramento em grande estilo: Marina Sena e BaianaSystem

No sábado à noite, o encerramento ficou a cargo de dois nomes em plena ascensão criativa: Marina Sena e BaianaSystem. A cantora mineira apresentou o recém-lançado álbum Coisas Naturais, com uma performance milimetricamente coreografada e vocalmente sólida. Em entrevista ao Estado de Minas, revelou sua preparação antes do palco: “alongamento, aquecimento vocal e sossego. Não gosto que fiquem me enchendo o saco”. O resultado: uma entrega artística que exala segurança e controle absoluto de cena.

Fechando a noite — e o festival — o BaianaSystem transformou o espaço em uma arena pulsante. Com rodas de mosh, projeções visuais impactantes e gritos de “sem anistia” reverberando entre o público, o grupo baiano mostrou que entretenimento e discurso político não são excludentes — ao contrário, quando bem articulados, potencializam a força de um espetáculo.

Conclusão: o Sensacional é necessário

Mais do que apenas resistir ao cenário de retração dos festivais em Belo Horizonte — como o hiato do Planeta Brasil, a migração do Breve e o recuo do Sarará — o Sensacional cresce, se reinventa e ocupa um espaço que vai além do entretenimento. É um lugar de pertencimento, de diálogo entre gerações, de celebração da brasilidade em todas as suas formas — pop, samba, trap, rock, pagode, eletrônico, experimental, romântico, político.

Com curadoria corajosa, estrutura bem resolvida e um olhar atento às transformações do país e da música, o Festival Sensacional se firma como um dos eventos mais relevantes do Brasil. Em tempos de esvaziamento cultural e retração orçamentária, sua existência não é apenas bem-vinda — é vital.