Algumas bandas não fazem shows. Criam atmosferas. Tecem espaços de silêncio e ruído, em que o tempo se curva, e tudo o que resta é sentir. O Terno Rei fez isso. E fez como nunca havia feito antes.
![]() |
Crédito @pefreitas_ para @musicontheroad__ e @offtherecord.oficial |
O dia 28 de junho de 2025 talvez nunca mais soe comum para quem testemunhou o Terno Rei no Tokio Marine Hall. Não foi apenas o maior show da carreira da banda — foi a comprovação de que ainda há beleza na delicadeza, potência no que é sutil, e grandiosidade no que não grita.
Há algo profundamente comovente no caminho que o Terno Rei escolheu trilhar. Em um tempo em que a pressa rege o consumo de música, em que tudo precisa ser facilmente digerível, descartável e viral, a banda desafia a lógica da obviedade. Eles não estão tentando ser os maiores. Estão tentando ser honestos. E talvez por isso tenham se tornado gigantes.
O amor como ruína — e alicerce
A turnê de Nenhuma Estrela é mais do que a divulgação de um disco. É o desdobramento de um gesto artístico que escolhe o olhar maduro sobre as fragilidades de quem está (sobre)vivendo entre os 30 e os 40. Os temas — envelhecer, perder, amar errado, insistir — não são novos. Mas a forma como a banda os trata é profundamente contemporânea. Não há moralismo. Não há cinismo. Só afeto. E isso, em 2025, é quase revolucionário.
Ver um público inteiro — diverso, afetuoso, apaixonado — gritar versos como os de Brutal ou 32 com os olhos fechados e o punho fechado é entender que a arte ainda pulsa onde há dor não elaborada. O show foi um acolhimento. Um abraço coletivo para aqueles que não têm a quem recorrer quando tudo pesa. O Terno Rei cantou por e para essas pessoas. E fez isso sem gritar, sem exigir atenção, sem palco giratório. Fez com luz baixa, fumaça lenta e arranjos que parecem sopros de saudade.
Um espetáculo de silêncios e suspensões
Momentos como a participação de Clara Borges em Tempo não são comuns. São presentes. Em meio a uma iluminação rarefeita e uma base instrumental quase transparente, as duas vozes criaram algo que beirava o espiritual. Foi como se, por instantes, a cidade tivesse parado lá fora. E nós estivéssemos todos flutuando.
Ali, ficou ainda mais evidente: o Terno Rei não está mais tentando ocupar espaço. Já ocupa. E com a autoridade de quem entendeu que ser profundo é mais urgente do que ser popular.
Nenhuma estrela. Muitas constelações.
Ao final do show, entre lágrimas, aplausos e aquele silêncio constrangido de quem não sabe como voltar à vida real, a certeza era clara: esse foi um daqueles raros encontros entre artista e público em que tudo se alinha. Nada faltou. Nada sobrou. Tudo teve o tempo exato, a densidade necessária, a leveza poética.
Nenhuma Estrela pode até parecer, à primeira vista, um título pessimista. Mas, depois de quase três horas de espetáculo, o que se viu foi exatamente o contrário: o firmamento inteiro aceso, iluminando uma geração inteira que — ainda que cansada, ansiosa, ferida — continua escolhendo sentir.
E o Terno Rei? Eles continuam sendo os cronistas dessa geração. Sem pressa. Sem pirotecnia. Apenas com a coragem de falar baixo em um mundo que grita. E isso, convenhamos, é tudo.
0 Comentários