Em uma demonstração de força e estratégia institucional, a orquestra mineira ocupa a Praia de Copacabana com a estreia de sua mais recente e arriscada empreitada, questionando os limites entre o erudito, o popular e o cânone literário brasileiro.

Crédito: @raphagarcia

Em um dos cartões-postais mais emblemáticos do país, a Orquestra Ouro Preto protagonizou, na noite do último sábado (28), um espetáculo que uniu potência estética, densidade emocional e sofisticação artística: a estreia nacional de “Feliz Ano Velho, a ópera”, adaptação inédita da obra autobiográfica de Marcelo Rubens Paiva. Sob o céu aberto da Praia de Copacabana, o público foi conduzido a uma imersão sensível e arrebatadora pela narrativa pessoal e política do autor, que ganha novos contornos ao ser transposta para o universo operístico.

A montagem é resultado da colaboração entre grandes nomes das artes nacionais: a música e o libreto são assinados por Tim Rescala, a direção cênica leva a marca de Julliano Mendes, e a condução musical é do maestro Rodrigo Toffolo, regente e diretor artístico da Orquestra Ouro Preto. O espetáculo lança um olhar contemporâneo sobre a trajetória de Rubens Paiva — jovem universitário cuja vida é transformada após um acidente que o deixa tetraplégico — sem abrir mão da crítica histórica e da força poética que consagraram o livro publicado em 1982 como um dos marcos da literatura brasileira do pós-ditadura.

No elenco, destaque para a performance visceral de Johny França no papel de Marcelo, ao lado de Jabez Lima (Rubens Paiva) e da consagrada soprano Marília Vargas (Eunice Paiva), que compõem o núcleo familiar central da narrativa. Como um gesto de metalinguagem e homenagem à cena cultural retratada na obra, o espetáculo conta ainda com a participação especial de Arrigo Barnabé — ícone da vanguarda paulista citado no livro — interpretando a si mesmo no palco.

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“Feliz Ano Velho, a ópera” consolida a Orquestra Ouro Preto como uma das formações sinfônicas mais ousadas e relevantes do país. Esta é a terceira incursão do grupo no território da ópera, reafirmando seu compromisso com a valorização da cultura nacional por meio de cruzamentos entre música de concerto e literatura. Depois das bem-sucedidas adaptações de “Auto da Compadecida” (2023) e “Hilda Furacão” (2024), a orquestra reafirma sua vocação curatorial ao abraçar a obra de Rubens Paiva, dando-lhe novos significados em cena.

O espetáculo integra a programação do Orquestra Ouro Preto Vale Festival, iniciativa que celebra os 25 anos da orquestra e conta com o patrocínio do Instituto Cultural Vale, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura – a Lei Rouanet. A realização na orla de Copacabana, com acesso gratuito ao público, reforça o compromisso da formação mineira com a democratização do acesso à música de qualidade e à valorização da produção artística brasileira em suas múltiplas linguagens.

Mais do que uma adaptação, “Feliz Ano Velho, a ópera” é uma declaração de amor à capacidade da arte de revisitar memórias, elaborar traumas e mobilizar afetos. Em plena Copacabana, o tempo pareceu suspenso diante de uma obra que honra o passado sem abrir mão da urgência do presente.

Orquestra Ouro Preto Vale Festival 2025
🔗 Informações: www.orquestraouropreto.com.br