Quando surgiu no início dos anos 2000, o Epica parecia herdeiro natural da cena que orbitava em torno de Nightwish e Within Temptation. Mas o grupo holandês, liderado por Simone Simons e Mark Jansen, rapidamente mostrou não ser apenas seguidor: sua música sempre se destacou pela ambição de fundir erudição e brutalidade em doses iguais. O metal sinfônico, gênero por vezes criticado por cair no kitsch, no Epica ganha densidade lírica e rigor formal.
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| EPICA | Crédito: Tim Tronckoe |
Com mais de 400 milhões de streams acumulados, a banda poderia ter se acomodado em fórmulas previsíveis. Mas Aspiral, lançado pela Nuclear Blast, demonstra o contrário: o disco abre espaço para elementos de rock oitentista, música alternativa e atmosferas introspectivas que desestabilizam o ouvinte acostumado a seus cânones. Não é exagero dizer que se trata de um movimento de risco criativo: um gesto que aponta para a maturidade de uma banda que prefere reinventar-se a cristalizar-se.
No Brasil, esse repertório será apresentado em diálogo com hinos consagrados como “Cry for the Moon” e “Sensorium”. A promessa da banda de um setlist equilibrado não é mero detalhe técnico: é também um manifesto de continuidade, uma reafirmação de que o novo não precisa apagar o passado, mas dialogar com ele.
Fleshgod Apocalypse: a violência erudita transformada em ópera
Se o Epica representa a face solar do sinfônico, o Fleshgod Apocalypse encarna sua face noturna. Desde sua estreia em 2007, os italianos escolheram um caminho mais arriscado: o de amalgamar o death metal técnico a arranjos orquestrais monumentais, construindo uma estética que é tanto grandiosa quanto sufocante.
Seu novo álbum, Opera, é mais do que um título sugestivo. Inspirado pela experiência de quase morte do vocalista Francesco Paoli, o trabalho se apresenta como uma metáfora de sobrevivência e transcendência. Produzido por Jacob Hansen, o registro é ao mesmo tempo brutal e sublime, lembrando que o sinfônico não é necessariamente adorno melódico: pode ser também aquilo que intensifica a violência, conferindo-lhe aura quase litúrgica.
Ao vivo, o Fleshgod Apocalypse não apenas toca: encena. Sua música não se contenta em soar — ela ocupa o espaço com a presença de uma tragédia clássica transposta em decibéis.
Brasil: território de devoção e catarse
O fato de o Brasil receber seis datas desta turnê não deve ser lido apenas como escolha logística. O país sempre foi terreno fértil para o metal em todas as suas vertentes, do thrash ao progressivo, e o sinfônico encontrou aqui uma base particularmente apaixonada.
Há algo de ritualístico na forma como o público brasileiro se entrega a essas bandas: não se trata apenas de consumo de música, mas de catarse coletiva, de pertencimento a uma comunidade global que encontra no palco a legitimação de sua identidade. É por isso que Simone Simons fala em “equilíbrio” e que o Epica convida os fãs a sugerirem músicas para o repertório: não é demagogia, é reconhecimento da centralidade afetiva do Brasil em sua trajetória.
Entre a luz e a sombra
Colocar o Epica e o Fleshgod Apocalypse lado a lado é também propor uma reflexão sobre as dualidades do sinfônico. De um lado, a promessa de transcendência pela melodia, pela beleza, pelo lirismo; de outro, a experiência da queda, da violência, do sublime que nasce do excesso. Essa turnê encarna, portanto, um diálogo entre luz e sombra, entre a ordem clássica e o caos extremo, entre o canto operístico e o grito gutural.
No fim, o que se anuncia em setembro não é apenas uma sequência de shows. É a encenação de um dilema estético que define o próprio metal sinfônico contemporâneo: sua capacidade de se reinventar sem perder sua essência, de ser ao mesmo tempo acessível e erudito, melódico e brutal, europeu e profundamente brasileiro quando sobe ao palco por aqui.
Serviço – Epica e Fleshgod Apocalypse no Brasil
Ingressos: Fastix.
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