Com Caranguejo parte 1, o Supercombo reafirma sua maturidade artística e consolida um projeto ambicioso que transcende a mera sucessão de singles. O disco, primeiro de uma obra em duas partes, é uma demonstração de ousadia criativa: mantém a coluna vertebral rock da banda, mas se permite navegar por ritmos brasileiros, experimentações eletrônicas e texturas híbridas, mostrando uma banda confortável na própria pele e ciente de sua história.

O título, inspirado em uma brincadeira sobre o caráter “estranho” de algumas músicas, revela a consciência autoirônica da banda. Como o crustáceo que se esconde na areia, a Supercombo se protegeu nas profundezas de sua própria essência, revisitanto referências, traçando rumos inesperados e explorando novas paisagens sonoras. Desde a abertura com “A Transmissão”, há uma ligação direta com o início da trajetória do grupo, mantendo riffs robustos e energia visceral, enquanto prepara o ouvinte para os contrastes e surpresas que se seguirão.

O single Piseiro Black Sabbath é emblemático desse espírito de experimentação: o Supercombo se permite brincar com o piseiro, gênero popular nordestino, e mistura-o com um vigor rock clássico, gravando todos os músicos simultaneamente para capturar a espontaneidade do momento. A ironia e o humor continuam em “Hoje Eu Tô Zen”, onde a dissonância entre a letra contemplativa e o refrão quase gritado exemplifica a capacidade da banda de subverter expectativas sem perder coesão.

Em “Alento”, dedicado à filha de Leo Ramos, a Supercombo demonstra seu lado sensível, entregando um pop/rock delicado com refrões que se fixam imediatamente na memória auditiva, equilibrando emoção e sofisticação melódica. A diversidade continua com “Testa”, balada introspectiva sobre luto que contrasta com instrumental indie dançante, e “Nossas Pitangas”, que evoca os anos 80 e 90 com teclados nostálgicos à la Tears For Fears, mostrando a banda capaz de transitar entre tempos e estilos sem perder identidade. A faixa final da primeira parte, “Alfaiate”, utiliza a costura como metáfora da auto-estima, encerrando o ciclo de maneira poética e reflexiva.

A produção, assinada pelo jovem Victor de Souza, o Jotta, insere camadas eletrônicas sofisticadas, transitando entre pop, hiperpop e música urbana, sem diluir a organicidade característica do Supercombo. O diálogo entre tradição e modernidade é constante, e a precisão da mixagem permite que cada elemento — do riff de guitarra ao sintetizador sutil — respire e se destaque, reforçando a intenção da banda de criar uma obra pensada para a escuta atenta.

A escolha de dividir o álbum em duas partes é estratégica e artística: cada faixa da primeira parte conversa com a correspondente da segunda, reforçando a narrativa interna do disco e combatendo a cultura imediatista dos streams e singles soltos. Caranguejo parte 1 é, assim, mais do que um registro musical; é um manifesto criativo, onde humor, introspecção, brasilidade e rock convergem em um diálogo sofisticado, deixando claro que a Supercombo não apenas sobrevive ao tempo, mas se reinventa com consistência e inteligência, enquanto prepara os fãs para o desfecho que virá em 2026.