Há turnês que se anunciam como espetáculos; outras, como experiências iniciáticas. O retorno do Epica ao Brasil, ao lado dos italianos do Fleshgod Apocalypse, situa-se nesse segundo campo: mais do que uma sequência de shows, trata-se de um rito em que a música sinfônica do metal se revela em suas duas faces — a luminosa e a sombria, a que promete transcendência e a que se oferece como catarse.
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| EPICA | Crédito: Tim Tronckoe |
Epica: o eterno retorno da harmonia
O Epica carrega em si a metáfora do círculo. Desde sua origem, no início dos anos 2000, a banda holandesa construiu canções como se fossem arquiteturas sonoras em movimento: colunas de riffs, vitrais de coros, cúpulas orquestrais que abrigam o timbre cristalino de Simone Simons. Escutá-los é adentrar uma catedral construída com guitarras e sopros digitais, onde o sagrado e o profano se encontram.
Com Aspiral, seu álbum mais recente, o grupo parece ter dobrado a própria trajetória sobre si mesmo: a espiral do título não é apenas símbolo gráfico, mas também gesto filosófico. A música olha para trás — para o rock oitentista, para o metal sinfônico clássico —, mas o faz enquanto se projeta adiante, como se cada repetição fosse também um desvio. O eterno retorno nietzschiano se manifesta aqui não como condenação, mas como celebração: repetir-se é também reinventar-se.
Nos palcos brasileiros, a promessa de um setlist equilibrado adquire dimensão simbólica. Clássicos como “Cry for the Moon” e “Sensorium” convivem com novidades de Aspiral, e o público é convidado a reconhecer-se tanto na memória quanto na descoberta. É como se o Epica dissesse: “a beleza que vocês amaram no passado ainda está aqui, mas é preciso olhá-la de outro ângulo”.
Fleshgod Apocalypse: a beleza do abismo
Se o Epica edifica catedrais, o Fleshgod Apocalypse escava catacumbas. Sua música não é templo, mas catástrofe; não é luz, mas clarão. Desde 2007, os italianos transformaram o death metal em um terreno paradoxal: brutal e erudito, técnico e barroco, violento e majestoso.
Opera, seu sexto álbum, nasceu da experiência de quase morte de Francesco Paoli. E talvez não haja metáfora mais precisa: a música do Fleshgod parece de fato emergir de um limiar entre a vida e o fim. O disco soa como uma descida aos infernos em que a orquestra não suaviza a violência, mas a intensifica, como se cordas e coros fossem ecos do abismo.
Assistir à banda ao vivo é presenciar um espetáculo trágico. Como nas tragédias gregas, em que o horror era exposto para purgar a alma, o Fleshgod oferece ao público um mergulho na escuridão para, paradoxalmente, devolver-lhe a luz.
Brasil: a devoção como forma de resistência
Há uma razão para o Brasil ocupar lugar central nessa turnê, com seis apresentações. O público brasileiro não é apenas numeroso — é devoto. No metal, sobretudo, os shows assumem aqui uma intensidade ritualística: não se trata de consumo de entretenimento, mas de experiência coletiva, de corpos que se encontram para validar sua identidade em comunidade.
Para uma banda como o Epica, que convida os fãs a sugerirem músicas para o setlist, ou para o Fleshgod Apocalypse, que oferece sua brutalidade como catarse, o Brasil não é apenas mercado: é espelho. Um espelho que devolve à banda não só aplausos, mas a prova de que sua música ultrapassa fronteiras geográficas e culturais para tocar algo mais profundo: o desejo humano de transcendência.
Entre o apolíneo e o dionisíaco
Juntos, Epica e Fleshgod Apocalypse encenam o velho dilema nietzschiano entre o apolíneo e o dionisíaco. O primeiro, representado pela ordem, pela beleza, pela medida; o segundo, pela embriaguez, pela destruição, pelo excesso. O metal sinfônico, nessa leitura, é justamente o espaço em que ambos se encontram: onde o cálculo da harmonia se alia à vertigem do caos.
Em setembro de 2025, quando essas duas forças se encontrarem em palcos brasileiros, o público não estará apenas diante de um show. Estará diante de um ritual em que a música se faz filosofia, metáfora e experiência sensorial — onde cada nota pode ser entendida como uma pergunta sobre quem somos quando nos deixamos atravessar pelo som.
Serviço – Epica e Fleshgod Apocalypse no Brasil
Ingressos em Fastix.
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