Em seu EP de estreia, o compositor Gustavo Ortiz se cerca de Romulo Fróes, Thiago França e Rodrigo Campos. Mais do que um lançamento, "Desafogo" se apresenta como um teste fundamental: o de validar uma voz autoral sob a chancela de alguns dos nomes mais influentes da música contemporânea brasileira.
Em um cenário musical saturado de estreias, a chegada de um novo trabalho exige um diferencial. Para o cantor e compositor Gustavo Ortiz, esse diferencial atende pelos nomes de Romulo Fróes, Thiago França e Rodrigo Campos. O lançamento de seu EP de estreia, "Desafogo", pelo selo TRUQ, não é apenas a apresentação de canções maturadas por 16 anos; é uma declaração de intenções e, inerentemente, um desafio autoimposto. O projeto levanta uma questão central: a obra de Ortiz possui a força necessária para se equiparar ao calibre de seus colaboradores?
A arquitetura sonora de "Desafogo" parte de uma base clássica e eficaz: a voz e o violão do próprio compositor. Contudo, é a intervenção de Romulo Fróes na produção que redefine o escopo do projeto. Conhecido por sua habilidade em esculpir obras de grande impacto, como o premiado "Mulher do Fim do Mundo" (Elza Soares), Fróes veste as composições de Ortiz com uma instrumentação de peso. As texturas dos sopros de Thiago França (Metá Metá) e a condução rítmico-harmônica do cavaquinho de Rodrigo Campos (Passo Torto) não são meros acompanhamentos; são elementos que elevam a produção a um patamar de excelência, mas que também impõem um ônus sobre as composições originais. A estrutura precisa se provar digna da roupagem.
Ortiz descreve o trabalho como um exercício de "canção", essa "força estruturante da música brasileira". É uma definição correta, mas que o coloca em diálogo direto com uma tradição vasta e exigente. O substrato intelectual de sua formação como cientista social e antropólogo promete uma densidade lírica que transcende o trivial, abordando o tema do "desafogo" — a busca por respiro em meio às pressões do trabalho e da existência — como um eixo conceitual. A eficácia do EP reside, portanto, em sua capacidade de articular essa ambição temática com uma assinatura musical que seja genuinamente sua, e não uma sombra de seus notáveis padrinhos.
Os movimentos estratégicos que antecederam o lançamento completo sinalizam uma consciência aguçada do mercado. O single "José, João", com a participação vocal de Fróes e lançado no simbólico Dia do Trabalhador, foi um movimento calculado para gerar ressonância emocional e associar a obra a uma pauta social relevante. Da mesma forma, o videoclipe da faixa-título, com sua estética de ruínas e fotografia analógica, busca construir um imaginário potente e atemporal, afastando o projeto de uma sonoridade datada. A direção de Marco Escrivão e o financiamento via Lei Paulo Gustavo demonstram um profissionalismo que cerca todo o projeto.
No fim, "Desafogo" funciona como um sofisticado cartão de visitas. Ele posiciona Gustavo Ortiz no mapa, amparado por um selo de qualidade inquestionável. As canções são apresentadas em seu máximo potencial produtivo, a narrativa é bem construída e o conceito é claro. Contudo, o verdadeiro veredito virá com o tempo e com os próximos passos, como o já anunciado álbum completo para 2026. A questão que permanece é se, despidos da imponente produção, os versos e melodias de Ortiz sustentarão o peso e a responsabilidade que ele corajosamente assumiu ao convocar esse time. "Desafogo" é a promessa; a consolidação de uma voz singular no panteão da MPB contemporânea é o desafio que se impõe.
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