Vanessa da Mata e o mosaico feminino de Todas Elas: um espetáculo que dialoga com a cena brasileira contemporânea

Vanessa da Mata desembarca em Belo Horizonte no próximo dia 19 de setembro, no BeFly Hall, trazendo a turnê Todas Elas. Mais do que um show de lançamento, o projeto se apresenta como um gesto artístico em meio a um cenário musical brasileiro marcado pela busca de identidade entre tradição e inovação.


A construção de um álbum polifônico

Lançado em maio, Todas Elas surge como um trabalho de síntese e expansão. Ao reunir onze faixas autorais, Vanessa reafirma sua autonomia criativa, mas, ao mesmo tempo, abre espaço para diálogos inesperados. A presença de João Gomes, ícone do piseiro, e do pianista norte-americano Robert Glasper, figura central do jazz contemporâneo, insere o disco em uma intersecção rara: a de uma música popular brasileira que se arrisca a dialogar com estéticas distintas sem perder a organicidade.

Em Troco Tudo, parceria com Jota.pê, aparece a faceta mais urbana e próxima da nova MPB paulistana. Já em Um Passeio com Robert Glasper pelo Brasil, a canção se projeta para além das fronteiras nacionais, mas com a cadência e a poética que são marcas de Vanessa. Assim, Todas Elas revela-se não apenas como um álbum de canções, mas como um projeto que cartografa sonoridades contemporâneas em torno de um mesmo eixo: a multiplicidade da experiência feminina.

A dramaturgia do espetáculo

Com direção de Jorge Farjalla, a turnê Todas Elas é pensada como narrativa — não apenas como repertório. O diretor descreve o show como uma “jornada barroca da Santa à Maria Sem Vergonha”, metáfora que encontra eco no momento em que artistas brasileiras têm reivindicado seus espaços não apenas como intérpretes, mas como sujeitos criadores de discurso.

Nesse sentido, Vanessa alinha-se a uma linhagem que inclui nomes como Maria Bethânia, cuja teatralidade sempre ampliou a potência das canções, e Letrux, que nos últimos anos vem tensionando as fronteiras entre performance e show musical.

Entre tradição e renovação na cena nacional

O lançamento de Todas Elas também acontece em um momento particular da cena brasileira. De um lado, há o fortalecimento de estéticas ligadas ao consumo massivo — do sertanejo universitário ao piseiro, que dominam as plataformas digitais. De outro, há um movimento de artistas da MPB que buscam reposicionar sua relevância dialogando com novas gerações e com gêneros antes vistos como periféricos.

Vanessa da Mata, neste contexto, não se coloca em oposição, mas em trânsito. Ao convidar João Gomes, por exemplo, ela legitima a força cultural do piseiro, ao mesmo tempo em que reinsere sua própria obra dentro desse fluxo popular. Com Glasper, a conexão é outra: uma tentativa de inscrever sua música no mapa global da canção contemporânea, sem diluir a singularidade brasileira que a caracteriza.

Uma artista em constante reinvenção

Ao longo de duas décadas de carreira, Vanessa consolidou-se como uma das vozes mais líricas da MPB recente. Contudo, Todas Elas parece deslocar sua obra para um campo mais arriscado — menos preso ao hit radiofônico e mais comprometido com uma experiência estética ampla, em que texto, arranjo e encenação dialogam como partes de uma mesma engrenagem.

No palco, em Belo Horizonte, o público não encontrará apenas a intérprete dos sucessos já conhecidos, mas uma artista que se coloca como múltipla: santa e profana, íntima e coletiva, nacional e universal.

Se a MPB vive hoje o desafio de se reinventar sem perder densidade, Vanessa da Mata responde com um espetáculo que conjuga memória e reinvenção. Todas Elas não é só título de disco: é a própria condição de uma artista que encarna, em sua trajetória, as vozes de muitas mulheres e, por extensão, as transformações da música brasileira no século XXI.

Créditos: Priscila Prade

SERVIÇO: VANESSA DA MATA – TODAS ELAS

LOCAL: BEFLY HALL
DATA: 19 DE SETEMBRO, SEXTA FEIRA
ABERTURA DOS PORTÕES: 19:00
SHOW: 21:00
INGRESSOS: SYMPLA

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