Entre catedrais e abismos: Epica e Fleshgod Apocalypse e o metal como experiência existencial

Algumas músicas se escutam como se olha para o relógio: passam. Outras se escutam como se atravessa uma noite de tempestade: ficam no corpo, alteram o fôlego, mudam a maneira de perceber o tempo. O encontro de Epica e Fleshgod Apocalypse, em turnê pelo Brasil em setembro, pertence a essa segunda categoria. Não é apenas música: é uma experiência do limite.

EPICA | Crédito: Tim Tronckoe

A catedral sonora

O Epica, em mais de vinte anos de carreira, construiu algo que escapa ao rótulo de “metal sinfônico”. Suas canções soam como catedrais erguidas em som. Há naves iluminadas pelos vocais de Simone Simons, vitrais que se acendem em coros orquestrais, colunas de riffs que sustentam a estrutura.

Seu novo álbum, Aspiral, aprofunda esse gesto. A espiral não é metáfora vazia: é o desenho de uma trajetória que retorna às próprias raízes para reinventá-las. Ouví-lo é caminhar em círculos que nunca se fecham, em que cada repetição traz também deslocamento. É a ideia nietzschiana do eterno retorno: o mesmo, mas sempre outro.

O abismo orquestrado

Se o Epica constrói templos, o Fleshgod Apocalypse escava catacumbas. Seu sinfônico não ilumina: incendeia. Opera, seu mais recente trabalho, nasceu da experiência de quase morte do vocalista Francesco Paoli — e talvez por isso soe como um mergulho em águas profundas demais para sustentar fôlego.

A música da banda italiana é um paradoxo vivo: brutalidade e erudição convivem no mesmo compasso. O que poderia ser ornamento se torna lâmina; o que poderia ser melodia se torna ferida. O público não é convidado a contemplar, mas a suportar. Como na tragédia grega, há ali algo de purgação: ao expor o horror, devolve-se à plateia a chance de catarse.

O Brasil como rito

Não é casual que o Brasil receba seis apresentações dessa jornada. Aqui, o metal não é apenas entretenimento: é rito de comunhão. O público canta como quem reza, se agita como quem resiste, responde como quem participa de uma liturgia coletiva.

Para o Epica, essa devoção amplia sua arquitetura de luz; para o Fleshgod, oferece corpos dispostos a atravessar o abismo junto com eles. O palco brasileiro se converte em altar, e o show, em sacramento.

Entre Apolo e Dionísio

Unidos, Epica e Fleshgod Apocalypse atualizam um velho dilema filosófico: Apolo e Dionísio, medida e excesso, forma e vertigem. O primeiro se manifesta na ordem harmônica, no lirismo; o segundo, na embriaguez, no grito, na brutalidade. O metal sinfônico é precisamente o território em que ambos se encontram.

E talvez seja essa a lição maior da turnê: que a beleza não se separa da violência, que a luz não se dissocia da sombra, que não há transcendência sem atravessar também a queda.

Serviço

Epica e Fleshgod Apocalypse – Turnê Brasil 2025

06/09 – Porto Alegre | 07/09 – Curitiba | 09/09 – Belo Horizonte |
11/09 – Brasília | 13/09 – Rio de Janeiro | 14/09 – São Paulo

Ingressos: Fastix

Postar um comentário

0 Comentários