O encontro entre um dos letristas mais inventivos da música brasileira e um compositor contemporâneo de voz visceral resultou em um dos projetos mais relevantes de 2025: A Universa Me Sorriu – Minhas Canções com Ronaldo Bastos. O disco, foi lançado pelo selo Sólov/YB, une a lírica sofisticada de Ronaldo Bastos — figura central do Clube da Esquina e autor de clássicos como Um Certo Alguém, Todo Azul do Mar e Sorte — à musicalidade intensa e afetiva de Pélico, cantor e compositor que há mais de duas décadas transita entre a MPB, o pop e o rock.
| Foto: José de Holanda |
Para Pélico, acostumado a construir sua obra em narrativas confessionais e diretas, a parceria significou mergulhar em um novo território criativo. Ao longo de meses de trabalho, muitas vezes alternando mensagens, manuscritos e encontros no Rio de Janeiro, Bastos e Pélico criaram um repertório de dez canções inéditas, que exploram temas românticos e atmosféricos em climas mais solares. Foi a primeira vez que Pélico se propôs a compor um disco inteiro em parceria. Esse processo lhe abriu possibilidades que nunca havia experimentado.
Uma poética entre o lúdico e o íntimo
O título A Universa Me Sorriu nasceu de uma expressão recorrente durante a feitura do álbum. Para o cantor, a palavra “universa”, no feminino, carrega a ideia da energia criadora do mundo como força materna, e se reflete em letras que evocam a presença da mãe, do feminino e do sagrado em canções como Sua Mãe Tinha Razão, Louva-a-Deus e a própria faixa-título. A expressão, além de conceito estético, traduz o sentimento de sorte e benção que o encontro com Bastos representou.
Se Bastos imprime sua linguagem imagética e quase cinematográfica, Pélico oferece melodias de grande sensibilidade e um canto que equilibra espontaneidade e intensidade. O resultado é um álbum que conjuga tradição e renovação, ampliando o alcance de ambos os artistas e oferecendo novas perspectivas para a canção brasileira.
Sonoridade plural e participações especiais
Produzido por Jesus Sanchez, o álbum é tecido a partir do violão de nylon — conduzido por João Erbetta — e da percuteria inventiva de Guilherme Kastrup, criando uma base rítmica e melódica que dialoga com matrizes brasileiras. O projeto ganha ainda densidade com a participação de Marcelo Politano (flautas e sax), pesquisador da música transcultural e docente na Academia Sibelius, na Finlândia.
As colaborações ampliam a pluralidade sonora: Tony Berchmans empresta sua sanfona a O Amor Ficou, enquanto Régis Damasceno assina guitarras em Sem Parar e Louva-a-Deus. A atriz e cantora Marisa Orth participa de É Melhor Assim, parceria com Otto que ironiza amores inventados, e Silvia Machete divide os vocais com Pélico em Sem Parar, faixa bilíngue que cruza português e inglês em seu refrão.
Diálogo entre gerações
Ao lado de Ronaldo Bastos — cujo legado inclui colaborações com Milton Nascimento, Lô Borges, Elis Regina, Caetano Veloso, Djavan e Gal Costa — Pélico inscreve seu nome em uma tradição de compositores que souberam olhar para dentro e para fora da canção brasileira. Para o fluminense, a obra de Pélico representa a vitalidade de uma nova geração, enquanto, para o paulistano, compor com Bastos foi uma chance de dialogar diretamente com um dos grandes artífices da música nacional.
| Foto: Rodrigo Ferdinand |
A carreira de Pélico em perspectiva
Nome de destaque da cena surgida nos anos 2000, Pélico já lançou quatro álbuns de estúdio — O Último Dia de Um Homem Sem Juízo (2009), Que Isso Fique Entre Nós (2011), Euforia (2015) e Quem Me Viu, Quem Me Vê (2019) —, sempre reconhecidos pela crítica especializada. Suas canções foram gravadas por artistas como Luiza Possi, CATTO, Bluebell e A Banda Mais Bonita da Cidade. Também participou de projetos relevantes como Tropicália Lixo Lógico, de Tom Zé, e tributos a Ângela Ro Ro.
Após uma temporada na Europa, o artista retornou ao Brasil com novos lançamentos em parceria com nomes como Nina Nicolaiewsky e CATTO, reafirmando sua versatilidade e sua inquietude criativa. A Universa Me Sorriu surge, portanto, como um ponto de maturidade, em que sua trajetória autoral se entrelaça a um dos legados mais emblemáticos da canção nacional.
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